A professora
tinha um ar triste; dotado de um quase
desalento, embrulhado num rosto crispado
de semblante sombrio. Corrigia testes;
de português. Ou de Língua
Portuguesa, tendo em conta a designação
curricular da disciplina. “Muitas
negativas”, perguntei, “Nem
imagina”, respondeu, “Não
me diga que ultrapassam os cinquenta por
cento…”, disse, mais em jeito
de comentário desabafado que em
forma de pergunta colocada. O olhar que
me dirigiu, acompanhado da testa enrugada
e lábios apertados, fez-me parecer
que sim: as negativas da turma ultrapassavam
mesmo os cinquenta por cento.
Iniciámos uma breve troca de impressões
sobre causas, atitudes, consequências
e soluções. Perguntei-lhe
se, como professora e tendo em conta o
alto nível de resultados negativos,
não se sentiria, também,
culpada pelo mau aproveitamento. Sem me
responder, comentou apenas, quase resignada
pela minha pública condenação,
“Pois, a culpa é sempre dos
professores”.
Não é sempre,
mas também é; resultados
negativos acima dos cinquenta por cento
de qualquer universo de alunos –
no presente contexto, turmas de 25-30
alunos – é muito; é
grave e é frustrante. Para qualquer
professor.
Mas a parte maior da
culpa, entendo eu, não é
aos professores que deve ser atribuída;
não na parte que à leccionação
da disciplina diz respeito. Pelo meu grau
de conhecimento da situação,
os professores – de Português,
e só, no caso em análise
– sabem o que fazem e quase como
fazê-lo. A questão não
se relaciona directamente com o ensinamento
da Língua – métodos,
docentes, regras, matérias –,
mas sim com a atitude que está
por detrás deste universo: O Português;
a língua portuguesa.
De um modo geral não
se lê ou lê-se mal. Os pais
não lêem, não incentivam
a ler, não procuram obras literárias
de aconselhamento aos filhos. Os pais
demitem-se das suas funções
pedagógicas; e nem sempre é
por desconhecimento mas quase sempre por
preguiça. Porque é muito
mais fácil ligar a televisão
que abrir um livro; é muito mais
fácil ver programas, estúpidos
mas que fazem rir, do que entender, ou
tentar entender, determinada obra literária
para, posteriormente, a aconselharem aos
filhos. Por sua vez, os alunos não
abrem livros. E quando abrem fazem-no
por modas literárias. “Harry
Potter” para os mais pequenos, “Dan
Brown” para os mais crescidos; ou
que pensam que são. Claro que isto
não se aplica a todo o universo
de pais e de alunos. Mas aplica-se a muitos,
o que é demais; os muitos sempre
foram demais!
Contudo, e é aqui
que penso residir a quota parte de culpa
dos professores, o incentivo à
leitura nas escolas; recomendada, aconselhada
ou imposta pelo ministério da educação,
resume-se aos clássicos; e quando
não é aos clássicos
é aos consagrados, aos monstros
da literatura. E estes, normalmente, são
autores – para além de escritores,
claro! – algo difíceis de
entender na sua mensagem literária.
O papel do professor, julgo eu, seria
tentar “fazer a ponte” entre
aquilo que não é literatura,
(mas que ainda assim os alunos vão
lendo por iniciativa própria ou
por moda) e aquilo que é literatura
e tem mensagem literária; sem se
cingir ao universo dos clássicos
curriculares; aos escritores mortos. Se
nós estamos vivos, porque é
que só temos de ler os mortos?
Faz falta conhecer as
suas obras? Faz! Faz falta conhecer as
obras dos grandes escritores contemporâneos?
Faz! Mas não chega, o caminho não
é só por aí…
Passa também por
levar os escritores às escolas,
mostrar aos alunos que estes são
pessoas normais, desmistificá-los,
fazer-lhes perguntas, tirar dúvidas
de interpretação, desmistificar,
também, a própria interpretação
dos textos: não há interpretação
de rigor, há entendimento pessoal.
O papel do professor
– e dos pais quando o possam e queiram
desempenhar – passa por fazer a
distinção entre livro e
literatura; entre ensaio e escrito de
ocasião; entre sucesso comercial
e mensagem literária.
É um papel difícil
de desempenhar? Tendo em conta a proliferação
de modas, de obras sem conteúdo
e de conteúdos duvidosos, é
um papel muito, muito difícil.
Mas o papel de Pai –
Mãe incluída, que também
é pai neste contexto – e
o papel de Professor, deve escrever-se,
sempre, com maiúscula.